quinta-feira, 14 de junho de 2007

Instantâneos do etéreo-concreto - Eugene Atget









"No entanto, o decisivo na fotografia continua sendo a relação entre o fotógrafo e sua técnica. Camile Recht caracteriza essa relação com uma bela imagem. 'O violinista precisa primeiro produzir o som, procurá-lo, achá-lo com a rapidez do relâmpago, ao passo que o pianista bate nas teclas, e o som explode. O instrumento está à disposição do pintor, como do fotógrafo. O desenho e o colorido do pintor correspondem à sonoridade do violinista; como pianista, o fotógrafo precisa lidar com um instrumento sujeito a leis limitativas, que não pesam tão rigorosamente sobre o violinista. Nenhum Padewski jamais alcançará a glória de um Paganini, nem exercerá, como ele, o mesmo fascínio mágico.' Mas existe um Busoni da fotografia, para conservar a mesma metáfora: Atget. Ambos eram virtuoses e ao mesmo tempo precursores. Têm um modo incomparável de abrir-se às coisas, com o máximo de precisão. Mesmo em seus traços existe uma semelhança. Atget foi um ator que retirou máscara, descontente com sua profissão, e tentou, igualmente, desmascarar a realidade. Viveu em Paris, pobre e desconhecido, desfazia-se de suas fotografias, doando-as a amadores tão excêntricos como ele, e morreu a pouco tempo, deixando uma obra de mais de quatro mil imagens. (...) Os publicistas contemporâneos 'nada sabiam sobre aquele homem que passava a maior parte do tempo percorrendo os ateliês, com suas fotos, vendendo-as por alguns cêntimos, muitas vezes ao mesmo preço que aqueles cartões-postais que, em torno de 1900, representavam belas paisagens urbanas envoltas em numa noite azulada, com uma lua retocada. Ele atingiu o pólo da suprema maestria, mas na amarga modéstia de um grande artista, que sempre viveu na sombra, deixou de plantar ali seu pavilhão. Por isso, muitos julgam ter descoberto aquele pólo, que Atget já alcançara antes deles.' Com efeito: as fotos parisienses de Atget são as precurssoras da fotografia surrealista, a vanguarda do único destacamento verdadeiramente expressivo que o surrealismo conseguiu pôr em marcha."


Walter Benjamin. Pequena história da fotografia (1931). In: Obras escolhidas I (tradução Sérgio P. Rouanet). São Paulo: Brasiliense, 1994.

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