terça-feira, 25 de março de 2008

O Intruso (II), Glosa.


Talvez aquilo que comumente chamamos de “próprio”, “individual”, não seja nada mais que a cega obstinação deste intruso. Obstinação no estabelecimento de um poder de ser, de propriedade: uma prótese de essência. Porém, este frágil e mitômano intruso, aquilo que os psicanalistas captarão como o ego, é um Prometeu desde sempre fadado ao insucesso. Se há uma propriedade do ser, uma “singularidade”, esta só se manifesta em um “substrato” de impropriedade, de alheamento, dispersão, de extravio. “Ser” é apenas assumir esta impropriedade com um próprio. Inessencialidade que não perde seu “não-caráter” de vagueza: expõe-se como mero estilo, manerie. Como dirá um sábio numa tonalidade quase zen “não um ser que é deste modo ou de outro, mas um ser que é o seu modo de ser”.


Imagem. Jacob Jordaens. "A prisão de Prometeu". Óleo sobre tela, c.1640, 245 x 178 cm. Museu Wallraf-Richartz, Colónia

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