terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Nuvens


Mil motivos encontro para seguir uma nuvem que passa sobre minha cabeça, numa manhã fria e límpida de dezembro. A variação das formas pode ser o primeiro: como uma nuvem, água, pode deixar-se apreender como coisa imaginada, como um cão, por exemplo? Mas, no instante mesmo em que vejo um cão, sinto a transformação, a ligação imediata da face canina com os dentes de uma gigantesca serpente... Subo na cauda dela e embarco na demora imaterial do céu. Imortal, eis talvez a palavra que mais se vincula à ideia de céu, ao menos na nossa cultura ocidental. A minha viagem na cauda da serpente começa com um balançar que me faz ver a morte de perto. Mas a imortalidade, a eternidade do céu está ali, pronta a receber um corpo morto. O jogo dos mortos e dos vivos se desfaz no passeio guiado pela serpente, a qual acaba de se transformar numa águia. Voo mais rápido, arranco dos meus olhos a visão mais que etérea da eternidade... uma cacofonia pouco escutada, porém que faz seus constantes ataques às profundezas de qualquer nefelibata. Ando no lombo gigantesco da águia e vejo, a partir da sua asa direita, um esplendor de cores de uma aurora boreal. O imortal céu anuncia mortes corriqueiras, mas as nuvens surgem e ressurgem na velocidade da minha vida. Às voltas com o turbilhão do bater de asas da águia, que agora é um lento hipopótomo, sigo a viagem no azul celeste. Agora as cores da aurora seguram o azul com mãos violetas e o hipopótomo procura o seu pântano... desaguamos em chuva; vou junto, ajudo a molhar a terra, penetro em raízes tubérculas que acabam de ser colhidas por um lavrador faminto. Sou cozido e retomo o lombo de um cavalo vaporizado que sai da panela e procura a janela... lá fora rencontramos novas nuvens.
Sinto a luz do sol e a revolta dos ventos que levam meu cavalo e eu ao encontro de faces conhecidas da infância que agora se balançam num gigantesco cumulus nimbus. A eternidade respira assim, no pulsar de vida e morte diário, num passeio elegante sobre uma serpente, ou no cambaleante titubear do bêbado que na esquina tenta diariamente esquecer seus problemas a cada gole. Solto a mão dos meus companheiros que voltaram a chover e voo ao encontro do próximo trem, que acabei de ver passar, cruzando o azul. Estou a vaporizar a vida em cada instante, na turbulência das meta-formas de qualquer nuvem; encontro azuis e vermelhos no negro dia infame e cavalgo ao longo de uma estrada sem caminho, de um eterno infimamente etéreo.

Nenhum comentário: