terça-feira, 19 de abril de 2011

A Allen Ginsberg - Nova Iorque




Milão, 18 de outubro de 1967.

Caro e angélico Ginsberg, ontem de noite escutei você dizer tudo o que vinha a sua mente sobre Nova Iorque e São Francisco com suas flores. Eu lhe disse algo da Itália (flores apenas nos floristas). Sua burguesia é uma burguesia de LOUCOS, minha burguesia é de IDIOTAS. Você luta contra a LOUCURA com a LOUCURA (dando flores aos policiais): mas como lutar contra a IDIOTICE? Etc. etc. essas foram nossas palavras. Muito, muito mais belas as suas, e também lhe disse o porquê. Porque você luta contra os pais burgueses assassinos, e o faz permanecendo dentro do próprio mundo deles... classista (sim, na Itália nos exprimimos assim), e, portanto, é constrangido a inventar de novo e completamente - dia após dia, palavra por palavra - sua linguagem revolucionária. Todos os homens da sua América são constrangidos, para se exprimir, a ser inventores de palavras! Nós, aqui, pelo contrário (mesmo aqueles que hoje têm dezesseis anos), já temos nossa linguagem revolucionária bela e acabada, e, dentro dela, sua moral. Também os Chineses falam como estatais. E também eu - como você vê. Não consigo MISTURAR A PROSA COM A POESIA (como você faz!) - e não consigo me esquecer, JAMAIS, e, naturalmente, nem mesmo neste momento em que tenho deveres linguísticos.
Quem forneceu para nós - idosos e jovens - a linguagem oficial do protesto? O marxismo, cuja única veia poética é a lembrança da Resistência, que se renova no pensamento do Vietnã e da Bolívia. E por que me lamento dessa linguagem oficial do protesto que a classe operária me fornece através de seus ideólogos (burgueses)? Porque é uma linguagem que jamais prescinde da ideia do poder e é, por isso, sempre prática e racional. Mas a Prática e a Razão não são as mesmas divindades que tornaram LOUCOS e IDIOTAS nossos pais burgueses? Pobre Wagner e pobre Nietzsche! Levaram toda a culpa. E nem vamos falar de de Pound! Ele foi, para mim, um culpado... uma função... a função dada a eles pela sociedade de pais-loucos e idiotas, cultivadores da prática e da razão - para manter o poder, para destruir a si próprios? Nada dá um sentido, um sentimento, de culpa mais profundo e incurável do que a manutenção do poder. Assim, é inacreditável que aqueles que mantêm o poder queiram morrer? E, portanto, todos - do divino Rimbaud até o comovente Kavafy, do sublime Machado até o suave Apollinaire -, todos os poetas que lutaram contra o mundo do pragmatismo e da razão nada mais fizeram do que preparar o solo, como profetas para o deus Guerra a quem a sociedade invoca: um Deus exterminador. Hitler um erce de um filme de comédia... Quando na América - onde seus poetas estão invocando um segundo Hitler que pode terminar o que não aconteceu na primeira vez: o suicídio do mundo - a não-violência for uma arma para a conquista do poder, será muito pior a segunda vez. Mas, ao mesmo tempo, renunciar, nesse mesmo estupendo misticismo da Democracia da Nova Esquerda (New Left), renunciar, além da Sagrada Violência, também à ideia da conquista do poder pelos justos, significa deixar o poder nas mãos dos fascistas que sempre e por toda parte o detêm. Se essas são questões, eu não saberia como responder. E você? Eu beijo carinhosamente sua espessa barba, seu

Pier Paolo Pasolini.

Pier Paolo Pasolini. Lettere 1955-1975. A cura di Nico Naldini. Torino: Einaudi, 1988. pp. 631-633. Tradução para o português: Vinícius Nicastro Honesko
"Texto fornecido por Lawrence Ferlinghetti a Laura Betti a partir de um transcrição da carta de Pasolini, reparada para da tradução em inglês. Entre as linhas do texto italiano datilografado aparece uma tradução inglesa feita a mão. Consta de três folhas das quais a terceira está incompreensível para a leitura por causa da deterioração da datilografia.
Essa carta, traduzida pelo próprio Ginsberg e por Annette Galvano, foi publicada na revista "Lumen/Avenue A" de Nova Iorque (vol. I, n. I, 1979)."
Na edição do volume Lettere, de Nico Naldini, aparecem tanto a carta incompleta em italiano quanto a tradução da carta em inteiro teor para o inglês de Ginsberg e Galvano. Para a tradução ao português da carta em inteiro teor utilizei tanto a versão italiana quanto a em língua inglesa.
Deixo aqui também o link para uma interessante entrevista concedida por Ginsberg a Jeremy Isaacs em 1995, dois anos antes da morte do poeta:

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