segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Animismo



Acho muito razoável a crença céltica de que as almas daqueles a quem perdemos se acham cativas nalgum ser inferior, num animal, num vegetal, uma coisa inanimada, efetivamente perdidas para nós até o dia, que para muitos nunca chega, em que nos sucede passar por perto da árvore entrar na posse do objeto que lhe serve de prisão. Então elas palpitam, nos chamam e, logo que as reconhecemos, está quebrado o encanto. Liberadas por nós, venceram a morte e voltam a viver conosco. É assim com nosso passado, trabalho perdido procurar evocá-lo, todos os esforços da nossa inteligência permanecem inúteis. Ele está oculto, fora do seu domínio e do seu alcance, nalgum objeto material (na sensação que nos daria este objeto material) que nós nem suspeitamos. Esse objeto, só do acaso depende que o encontremos antes de morrer, ou que não o encontremos nunca.


PROUST, Marcel. No caminho de Swann. (Tradução Mário Quintana). 3ª Ed. São Paulo: Globo, 2006. p. 70. Imagem: Picasso. Wounded bird and cat. 1939.

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