domingo, 28 de agosto de 2011

Detalhes


São sempre detalhes. Deus está nos detalhes, dizia Aby Warburg. Pequenas pontas de um bordado cuja fazenda não mais encontramos, o reflexo inadvertido do sol numa janela qualquer de uma casa qualquer que fora capturado pela fotografia mais disparatada, as folhas de uma árvore que, amareladas pelo outono, acabam de cair aos meus pés, a ponta ainda acesa de um cigarro jogado por aquela linda moça que todos os dias passava ao lado da minha casa sem nunca volver os olhos para mim, o crepitar dos galhos secos nos quais pisava naqueles passeios invernais pelos campos brancos de geada, o barulho da ebulição do café na cafeteira italiana na qual preparava as horas das tardes comuns, o olhar perdido de alguém próximo que jazia lentamente corroído pelo tumor, as fracas palavras quase que sopradas pelos pulmões já cansados daquela senhora que tanto lutava pela vida que se esvaia, o cheiro quente de pão fresco que amalgamava pessoas e sonhos, o leve ronronar de um gato à espera de afago...
Lancinantes, essas imagens rompem hoje a crosta do tempo em que se cristalizaram e invadem minha sala com passo furtivo, com cuidados excessivos e como que a esperar um abraço meu. Tomo pelas mãos minhas imagens passadas e as coloco numa ciranda, deixando corar o menino que em mim ainda nelas acredita piamente, como antes acreditava ser a vassoura o veloz cavalo a guiar-lhe por pradarias infindáveis. Encosto-me naquele muro branco chapiscado de concreto, para o qual olhei pouco antes de tentar o primeiro suicídio falho. Quem sabe não acendo um cigarro para tentar ver na fumaça as imagens rodopiarem comigo, ainda menino, ao centro. Abaixo-me, ainda encostado no muro, deixo as mãos das imagens para pegar aquela caixa de lápis de cor e suas trinta e seis cores com as quais ainda queria pintar a imaginação. Assombrado, percebo que soltar a mão das imagens é como começar a perder a curiosidade pelos detalhes. Corro, grito, chamo-as novamente, mas parece que é tarde, parece que sempre fiz tudo tarde demais. E, como naquela pequena ilha de onde havia lançado minhas passagens para algum lugar que não me lembro ao mar, tentei ao menos acenar-lhes com meu lenço já úmido de lágrimas, mas estavam longe demais e, talvez, não tenham nem ao menos me notado. Aliás, isso era apenas um detalhe.

Imagem: Sergio Larrain. Chile. A casa de "Isla Negra". 1957.

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