quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Parágrafo dos fantasmas


Era uma tarde em que a chuva não dava tréguas e a solidão parecia ser um modo de entrar em si e permanecer em silêncio. Deitado, fumando e soltando a fumaça de seu cigarro lentamente contra a luminosidade pastosa daquele dia, tentava não pensar em como havia passado os últimos anos, em como tinha transcorrido o tempo desde que descobrira o amor em olhos outros e, sobretudo, em como parar de pensar. Era claramente uma tentativa fadada ao insucesso e ele sabia disso. Sabia também que aquele seu pensamento sobre o não pensar era uma espécie de ingresso numa fuga dos outros, um ensaio por esconder-se da multidão, do cheiro pestilento de gente. Tinha em mente que a vida era uma enfermidade da mente, e, portanto, tratava de mentir pra si mesmo. A luz agora entrava de forma que sua incidência na fumaça criava, tal como o fazem as nuvens, efêmeras formas inusitadas. Distraiu-se com elas e relaxou; o pensamento agora o tomava e ele não mais tentava controlá-lo ou torná-lo um não pensar. Era atravessado pelas imagens que via e sentia que estas eram uma constante ameaça que parecia vir de longe e que o rondava, como que insultando o sossego do seu estar só. Viver era para ele indefinível e a loucura da existência era como refratária das misteriosas formas de fumaça. Novamente voltou a pensar que a plena solidão poderia lhe dar acesso ao tão esperado silêncio. Mas tal vislumbre nada mais era do que a luz que, invadindo seu quarto e sua intimidade, fazia com que sentisse o absurdo da existência como luminoso e vazio, como um dar-se conta de si mesmo. Porém, sentia que não existe plena solidão, pois sempre se divide o espaço íntimo com espectros, sejam aqueles formados pela fumaça ou os que apareciam na zona, também ela esfumaçada e obscura, da memória. Os fantasmas estão sempre de prontidão e, na maneira mais sorrateira, ao perceberem o isolamento físico, inventam a solidão na qual somente eles podem comparecer. E pensava: "Será que na solidão também falamos ou falam-nos somente os fantasmas?" O estar só agora se mostrava para ele como uma história contada para si mesmo e perpassada por fantasmas, por uma multidão de espectros. Era a enfermidade da sua mente convertendo-se em espectros, mas espectros que são vivos; era então a vida uma emanação delirante das mentes adoentadas dos homens; era a fumaça no quarto a ausência de pensamento por ele tão procurada e que, porém, para ele continuará a ser inatingível; mas a procura era a sua invenção para manter-se afastado do desespero sem, no entanto, gerar qualquer esperança. A luminosidade diminui e ele se adormentou; e a fumaça acabou tão logo começara a sonhar. Aí sim o reino dos fantasmas estava completo e com todas as fronteiras fechadas. A luz do delírio acabou vertendo nele palavras as quais aqui foram derramadas...

Imagem: Gueorgui Pinkhassov. Beirute, Líbano. Trabalhador descansando no Hotel Saleh, 1996.

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