domingo, 9 de outubro de 2011

Como



E quando lia que la máquina del mondo es harto compleja para la simplicidad de los hombres, sentia algo como uma dor profunda, como uma desarazoada forma de ver as coisas, de sentir o seu tempo. Na sua simplicidade não conseguia entender como é que podia saber como sentia - os modos, os reflexos, as metáforas da dor - sem sentir além do como. Era algo estranho, era algo estranho. Nenhuma obscura resignação era justificativa para a prisão, para permanecer como o leopardo exposto aos olhos seculares de homens perdidos. Resignar-se era a maneira cômoda de entregar-se ao tempo contado em eras, era deixar-se levar pelos odores da vileza de uma existência que só sabe ser como algo e nunca o próprio algo. Tinha que lutar contra suas dores, tinha que tentar sentir o sentimento, mesmo que sua simplicidade o convencesse de que a máquina do mundo era demasiadamente complexa. E também lia que toda história é obscura e que todo epílogo é provisório; e com isso dormia noites em claro, tudo por sentir algo como a complexidade do mundo na sua simplicidade de homem. A provisoriedade, o instantâneo, o perplexo, o aleatório, todos termos da sua busca simplista pelo não resignar-se, por aquele estranho modo de sentir que deixasse atrás de si as grades onde aprisionado estava o leopardo - o bicho que só sabia sentir como. Sem certezas, adormentou-se por algumas horas e sonhou como se sente e sentiu como se sonha...

Imagem: William Blake. Adão e Eva dormindo. 1808. Museum of Fine Arts, Boston.

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