sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Parágrafo das ampulhetas


A W.B. e J.F.B.

Viro a ampulheta e recomeço. O que, propriamente? Talvez uma simples contagem; ou, ainda, o simples observar as partículas de poeira que descem do bojo gordo ao gargalo estreito para cair no outro bojo gordo ainda vazio. E assim, como poeira encapsulada, percebo os seres no meu em torno como gotas cristalizadas das lágrimas dos deuses que outrora caminhavam no tempo. Eles, eternos, que de algum modo sempre brincavam com a mortalidade dos homens, descobriram-se mortos e, como legado, deixaram a cristalização do tempo na forma dos seres, do ser. Ah, poeira encapsulada, quão triste para mim é vê-la desse modo, à espera do meu próximo giro. E o tempo das justificações, esperançosas ou céticas, cabe todo ele na pequena ampulheta. Quando pleno de poeira um de seus bojos, satura-se e enfada-se da existência esperançosa, já que nada mais há de receber; ao contrário, no mesmo instante em que se torna pleno, o outro bojo, ao soltar pelo gargalo a poeira, esvazia-se e enche-se de esperança. E é esse o nosso tolo joguete vazio. Ainda antes, já o velho Unamuno me dizia: "Tuvimos que abandonar, desengañados, la posición de los que quieren hacer verdad racional y lógica del consuelo, pretendiendo probar su racionalidad, o por lo menos su no irracionalidad, y tuvimos también que abandonar la posición de los que querían hacer de la verdad racional consuelo y motivo de vida. Ni una ni otra de ambas posiciones nos satisfacía. La una riñe con nuestra razón; la otra, con nuestro sentimiento. La paz entre estas dos potencias se hace imposible, y hay que vivir de su guerra. Y hacer de ésta, de la guerra misma, condición de nuestra vida espiritual." Cansado, arremesso a ampulheta contra a parede - como faria com uma granada em meio à guerra - e, carregando-me de tempo, observo o mistério da poeira que brinca à luz do sol.

Imagem: Giovanni Bellini. As quatro alegorias: Prudência (ou Vaidade). 1490, Galleria dell'Accademia, Venezia.

Nenhum comentário: