domingo, 19 de fevereiro de 2012

Do Limbo


De onde provêm as singularidades quaisquer, qual é o seu reino? As questões de Tomás de Aquino sobre o limbo contêm os elementos para uma resposta. Segundo o teólogo, a pena para as crianças não batizadas, que morreram sem nenhuma outra culpa senão o pecado original, não pode ser aflitiva, como a do inferno, mas unicamente privativa, que consiste na perpétua ausência da visão de Deus. No entanto, os habitantes do limbo, diferentemente dos danados, não provam nenhuma dor por essa ausência: já que possuem apenas a consciência natural e não a sobrenatural, que em nós é implantada pelo batismo, eles não sabem que estão privados do sumo bem, ou, se o sabem (como admite uma outra opinião), não podem afligir-se mais do que sofreria um homem sensato por não poder voar. De fato, se provessem dor, ao sofrerem por uma culpa de que não podem redimir-se, a sua dor acabaria por levá-los ao desespero, como acontece aos danados, e isso não seria justo. E mais: os seus corpos são, como os dos beatos, impassíveis, mas somente no que diz respeito à ação da justiça divina; quanto ao resto, gozam plenamente das suas perfeições naturais.
A pena maior - a ausência da visão de Deus - inverte-se assim em natural alegria: irremediavelmente perdidos, eles permanecem sem dor no abandono divino. Não é Deus a esquecê-los, mas são eles que o esqueceram desde sempre, e contra o seu esquecimento permanece impotente o esquecimento divino. Como cartas sem destinatário, estes ressuscitados ficaram sem destino. Nem beatos como os eleitos, nem desesperados como os danados, eles estão cheios de uma alegria para sempre sem fim.
Essa natureza limbal é o segredo do mundo de Walser. As suas criaturas estão irremediavelmente extraviadas, mas numa região que está além da perdição e da salvação: a sua nulidade, da qual se orgulham tanto, é acima de tudo neutralidade em relação à salvação, a objeção mais radical já feita contra a própria ideia de redenção. De fato, propriamente insalvável é a vida em que não há nada para salvar e contra ela naufraga a poderosa máquina teológica da oikonomia cristã. Daí a curiosa mistura de velhacaria e de humildade, de inconsciência de cartoon e de escrupuloso rigor que caracteriza as personagens de Walser; daí, também, a sua ambiguidade, por meio da qual toda relação entre elas parece sempre em vias de terminar na cama: não se trata nem de hybris pagã nem de timidez de criatura, mas simplesmente de uma impassibilidade limbal face à justiça divina.
Como o condenado liberado na colônia penal kafkiana, que sobreviveu à destruição da máquina que devia executá-lo, eles deixaram atrás de si o mundo da culpa e da justiça: a luz que se derrama sobre suas cabeças é a luz - irreparável - da aurora que segue à novissima dies do Juízo Final. Mas a vida que começa na terra depois do último dia é simplesmente a vida humana.

Giorgio Agamben. Dal Limbo. In.: La Comunità che Viene. Torino: Bollati Boringhieri, 2001. pp. 11-12. (Tradução: Vinícius Nicastro Honesko)

Imagem: Fra Angelico. Cristo no Limbo (célula 31). 1441-1442. Convento di San Marco, Firenze.

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