quinta-feira, 8 de março de 2012

Cascas



Coloquei três pequenos pedaços de cascas sobre uma folha de papel. Olhei. Olhei pensando que olhar talvez me ajudaria a ler algo que jamais foi escrito. Olhei as três pequenas lascas de casca como as três letras de uma escritura antes de todo alfabeto. Ou, talvez, como o começo de uma carta escrita, mas a quem? Dou-me conta de que as dispus espontaneamente sobre o papel branco no sentido mesmo em que vai minha língua escrita: cada "letra" começa à esquerda, aí onde enfiei minhas unhas no tronco da árvore para dela retirar a casca. Em seguida, ela se desdobra à direita, como um fluxo infeliz, um caminho rompido: esse desdobramento estriado, esse tecido da casca que se rasga muito cedo.
São estas as três lascas extraídas de uma árvore, há algumas semanas, na Polônia. Três lascas de tempo. Meu próprio tempo nestas lascas: um pedaço de memória, essa coisa não escrita que tento ler; um pedaço de presente, aí, sob meus olhos, sobre uma página branca; um pedaço de desejo, a carta por escrever, mas a quem?
Três lascas cuja superfície é cinza, quase branca. Já datada. Característica da bétula. Ela se descama em espirais, como os restos de um livro queimado. Sobre a outra face, ela é ainda - no momento em que escrevo - rosa como carne. Ela aderia tão bem ao tronco. Ela resistiu à pegada de minhas unhas. As árvores também valorizam sua pele. Imagino que, com a passagem do tempo, estas três lascas de casca ficaram cinza, quase brancas, dos dois lados. Eu as conservarei, as armazenarei, as esquecerei? E se sim, em que envelope de minha correspondência? Em que prateleira de minha biblioteca? O que pensará meu filho assim que ele se deparar com estes resíduos quando eu já estiver morto?

Georges Didi-Huberman. Écorces. Paris: Minuit, 2011. pp. 9-10 (Trad.: Vinícius N. Honesko)

Imagem: Foto tirada por Didi-Huberman na sua viagem a Birkenau, em junho de 2011.

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