segunda-feira, 9 de abril de 2012

Ah Gravrillo! Ah humanity!


O pensamento sobre uma vida feliz e de potência, mesmo na condição melancólica de que todos morreremos e nada há além deste mundo de sons, cheiros, loucuras e desencontros, esbarra na condição estrutural (de Unterbau) de que todos nos tornamos, nos dias que correm, etéreas mercadorias à espera de outros dividendos metafísicos - que podem estar ou não representados em salários - ao fim do mês.

Ou como diriam os economistas de plantão: a automatizada economia mundial é sugada pela gravitação do setor terciário, o mundo se torna um imenso e babélico balcão de secos e molhados (mesmo que para isso tenha de ser empregado trabalho escravo no Brasil, na Índia ou no Paquistão).

Vendemo-nos, todos, na feira insensata do mundo, muitas vezes a preços vis.

(E muitos se oferecem gratuitamente nas redes sociais, e estamos muito longe do velho Diógenes de Sínope que, leiloado como escravo, só dizia ter como ofício comandar homens, afirmando desbragadamente procurar algum comprador que precisasse de um senhor).

O pensamento sobre uma vida não dilacerada sempre esbarrará no fato de que, talvez, oitenta porcento da população mundial ainda acredita piamente ser esta a única via possível, a única vida possível, de que as contingências que nos levaram a tal estado calamitoso sejam frutos de necessidades inescapáveis.

Boa parte já nasceu na catástrofe - pode parecer uma insensatez, mas me assusta saber que nenhum ser humano hoje na terra tenha nascido no fim do séc. XIX, de que nossos humanos mais idosos tenham sido crianças durante a primeira guerra mundial, depois do momento em que o obscuro estudante Gravrilo Princip, tal como um personagem de Dostoiévski, ainda tinha em suas mãos o futuro da humanidade. Bastaria não ter puxado o gatilho.

Isso nos leva a uma situação tipicamente adorniana. Os levantes políticos recentes só comprovam esta claustrofobia de horizontes. Militarismo, ou economia liberal de mercado ou islamismos comunitaristas (alguns neofascistas) na outonal primavera árabe.

Ou os adultos infantilizados que hoje creem, lembrando barões de Münchausen portando mouses, fazer a revolução em um clique. Ou outros, mais ousados, que acreditam realizar um gesto genuinamente político ao andar de bicicleta, adotar o vegetarianismo ou fazer teatro em uma praça.

O mundo se tornou um grande parque temático, e alguns até aceitam os papéis de Pateta libertário que lhe são oferecidos.

Tal como na Disneylândia, em que adultos se vestem de personagens para encantar crianças já estupidificadas.

Uma criança, por si, não consegue ser estúpida, mas nossas crianças são educadas e treinadas para a estupidez, para futuramente empregarem suas vidas à espera dos ovos de páscoa trazidos pelas corporações anônimas.

Blanqui definitivamente foi enterrado. Bloom prefere ir à missa todos os dias.

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