sábado, 21 de abril de 2012

Ideia do Poder


Talvez apenas no prazer as duas categorias, inventadas pelo gênio de Aristóteles, a potência e o ato, perdem a sua já estereotipada opacidade e tornam-se, por um átimo, transparentes. O prazer - está escrito no tratado que o filósofo dedicou ao filho Nicômaco - é aquilo cuja forma é a todo instante cumprida, perpetuamente em ato. Dessa definição resulta que a potência é o contrário do prazer. Ela é o que jamais está em ato, que sempre falta ao seu fim; em uma palavra: dor. E se o prazer, conforme essa definição, jamais se desenrola no tempo, a potência será, ao contrário, essencialmente duração. Essas considerações permitem iluminar as relações secretas que ligam poder e potência. De fato, a dor da potência acaba no átimo em que ela passa ao ato. Mas existem por toda parte - também dentro de nós - forças que constringem a potência a delongar-se em si mesma. Sobre essas forças se funda o poder: ele é o isolamento da potência do seu ato, a organização da potência. Apropriando-se da dor, o poder funda sobre esta a sua própria autoridade: ele deixa literalmente incompleto o prazer dos homens.
Nesse sentido, o que é perdido não é, no entanto, apenas o prazer, quanto o sentido mesmo da potência e da sua dor. Tornada interminável, ela cai na alçada do sonho e gera, para si própria e para o prazer, os equívocos mais monstruosos. Pervertendo a estreita conexão de meios e fins, de busca e formulação, confunde o cúmulo da dor - a omnipotência - com a maior perfeição. Mas somente como fim da potência, somente como absoluta impotência é humano e inocente o prazer; e apenas como tensão que obscuramente prenuncia sua crise e seu juízo resolutivo é aceitável a dor. Na obra, como no prazer, o homem goza finalmente da própria impotência. 

Giorgio Agamben. Idea del Potere. In.: Idea della Prosa. Macerata: Quodlibet, 2002. pp. 51-52. (Trad.: Vinícius Nicastro Honesko)

Imagem: Hieronymus Bosch. Jardim das delícias terrestres (detalhe). 1500. Museo del Prado, Madrid.

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