quinta-feira, 3 de maio de 2012

Sobre o que podemos não fazer


Deleuze certa vez definiu a operação do poder como um separar os homens daquilo que podem, isto é, da sua potência. As forças ativas são impedidas no seu exercício ou por que estão privadas das condições materiais que as tornam possíveis ou por que uma proibição torna esse exercício formalmente impossível. Nos dois casos, o poder - e é esta a sua figura mais opressiva e brutal - separa os homens da sua potência e, dessa maneira, torna-os impotentes. Há, todavia, uma outra e mais sutil operação do poder, que não age imediatamente sobre o que os homens podem fazer - sobre sua potência - mas, ao contrário, sobre sua impotência, isto é, sobre o que não podem fazer, ou, melhor, sobre o que podem não fazer.
Que a potência seja sempre também constitutivamente impotência, que todo poder fazer seja também desde sempre um poder não fazer, é a aquisição decisiva da teoria da potência que Aristóteles desenvolve no livro IX da Metafísica. "A impotência [adynamia]", escreve ele, "é uma privação contrária à potência [dynamis]. Toda potência é impotência do mesmo e respeito ao mesmo [de que é potência]" (Met. 1046a, 29-31). "Impotência" não significa aqui apenas ausência de potência, não poder fazer, mas também, e sobretudo, "poder não fazer", poder não exercitar a própria potência. E é exatamente essa ambivalência específica de toda potência, que é sempre potência de ser e de não ser, de fazer e de não fazer, que define a potência humana. Isto é, o homem é o vivente que, existindo sob o modo da potência, pode tanto uma coisa quanto o seu contrário, tanto fazer quanto não fazer. Isso o expõe, mais do que qualquer outro vivente, ao risco do erro mas, ao mesmo tempo, permite-lhe acumular e dominar livremente as próprias capacidades e transformá-las em "faculdades". Já que não apenas a medida do que alguém pode fazer, mas também e sobretudo a capacidade de manter-se em relação com a própria possibilidade de não fazer é que define o estatuto da sua ação. Enquanto o fogo pode apenas queimar e os outros viventes podem apenas a própria potência específica, podem somente este ou aquele comportamento inscrito na sua vocação biológica, o homem é o animal que pode a própria impotência.
É sobre esta outra e mais obscura face da potência que hoje prefere agir o poder que se define ironicamente "democrático". Ele separa os homens não apenas e não tanto do que podem fazer, mas antes e acima de tudo daquilo que podem não fazer. Separado da sua impotência, privado da experiência do que pode não fazer, o homem hodierno acredita-se capaz de tudo e repete o seu jovial "não tem problema" e o seu irresponsável "é possível fazer" exatamente quando deveria, ao contrário, dar-se conta de estar entregue de forma inaudita a forças e processos sobre os quais não tem qualquer controle. Ele se tornou cego não para suas capacidades, mas às suas incapacidades, não para o que pode fazer, mas para o que não pode ou pode não fazer.
Daí a definitiva confusão, no nosso tempo, dos trabalhos e das vocações, das identidades profissionais e dos seus papeis sociais, cada um dos quais personificado por uma aparência cuja arrogância é inversamente proporcional à provisoriedade e à incerteza da sua parte. A ideia de que alguém possa fazer ou ser indistintamente qualquer coisa, a suspeita de que não somente o médico que me examina poderia amanhã ser um videoartista, mas que até mesmo o algoz que me mata seja já, na realidade, como no Processo de Kafka, um cantor, são apenas o reflexo da consciência de que todos estão simplesmente se dobrando à flexibilidade que é hoje a primeira qualidade que o mercado exige de cada um.
Nada torna tão pobres e tão pouco livres como essa alienação da impotência. Aquele que está separado do que pode fazer, todavia, pode ainda resistir, pode ainda não fazer. Aquele que está separado da própria impotência, ao contrário, perde acima de tudo a capacidade de resistir. E como é apenas a dolorosa consciência do que não podemos fazer a garantir a verdade do que somos, assim é a lúcida visão do que não podemos ou podemos não fazer a dar consistência ao nosso agir.

Giorgio Agamben. Su ciò che possiamo non fare. In.: Nudità. Roma: Nottetempo, 2009. pp. 67-70. (Tradução: Vinícius Nicastro Honesko)

Imagem: Caravaggio. Davi e Golias. 1600. Museo del Prado, Madrid.