domingo, 29 de julho de 2012

Uma conversa




a. Que sentido há em escrever? Nenhum, talvez algo ainda exista no ato da leitura, da verdadeira leitura, como X aconselharia. Tu te sentirás sempre uma merda trazendo novas quinquilharias para uma biblioteca habitada por tantos monstros admiráveis, como X, aliás...

b. Não diga besteiras, caro A., só há literatura se o ato da escrita se volta para esta insuportável atualidade, aquilo escapa à diacronia, que nem X, nem N, nem Z sequer suporiam! O que marca o sentido da literatura é seu índice temporal, que é único, não se repete e talvez se torne obsoleto se não captado no instante certeiro. É sempre esta singularidade, irredutível diriam alguns filósofos...

a. Tu sucumbes ao academicismo e à cerveja. Diacronia... A literatura, o que é isso? Se consumiu e  também se consumou. Foi excretada pelo humanismo, seja lá o que isso foi!, e morreu com ele. Duas fumaças, ponto.

b. Você sucumbe ao comodismo. Então criemos galinhas e leiamos, como novos Des Esseintes, algo de  Y, X, H, etc. Não me parece um horizonte aceitável.

a. Se eu te disser que muitos "estudiosos" da literatura buscam os autores não pelo estado de convulsão, desapropriação ou instigamento que uma obra pode trazer (vida, efeitos, poxa!), mas por que o nome de VC ou JJ  (ou da cadela-que-o-pariu) é comentado nas rodinhas, ou tem uma sonoridade, como uma marca, uma insígnia de prestígio, você há de me convir que não é só a literatura que já se extinguiu. E os novos leitores? Os viciados em facebook, estes que passam boa parte de suas vidas em frente a um computador, na casa dos pais?! Falta-lhes fibra, disciplina e paciência para ler um GV, quanto mais ST, ou sentir o transbordamento por um mero verso de P. Falta-lhes o salto para a vida, em suma. Esta é a maioria da humanidade, bovina e satisfeita, mesmo na dor e na servidão. Escrever para quem? Para o burocrata da universidade? Fiquemos com um bom autor do séc. XIV, um vinho, e façamos honra ao deus da carnificina.

b. E choremos pelo cavalo de Turim... O emblema de nossa condição.

a. O cavalo de Nietzsche.

c. Desculpem-me, posso entrar na conversa? A questão não é a literatura ou a escrita, o problema é como mudar o mundo, precisamos partir para ação. Olha só, em meu departamento já formei um coletivo...

a. Caia fora!

c. Mas e os resquícios da ditadura? E a fome no mundo? E a débâcle ambiental?

a. E o seu carguinho futuro em alguma Ong ou nas rebarbas do funcionalismo público? Este ativismo me enoja, apenas edulcora a grande catástrofe, o Terror. Caia fora e leve consigo seu  gramscianismo de araque.

b. Eia C, moleque, seu engajamento não vai além da punheta computadorizada. Ainda não aprendeu que a política é apenas a continuação da guerra por outros meios!? Logo você, seu covarde, que tem medo da própria sombra. Suportaria o ar nauseabundo de uma barricada? Onde estaria você alguns dias depois do abril de 64? Certamente na saia de sua mãe, pilantra! Você e sua geração 'amelie poulain'  me fazem rir... Sua "política" só atesta o diagnóstico daquele grande salafrário...

c. L?

a. Fukuyama... O fim claustrofóbico dos possíveis na história. Não questiono a legitimidade e a urgência de certos temas, mas sobretudo me enoja a maneira pequeno-burguesa com que eles são tratados, como se bastasse uma mera correção cosmética, um ajuste estrutural (se isso não fosse uma baita contradição em termos!), motivado pelas ações de coletivos bundões e corporativos, debates acadêmicos ou digitações de polegares e de indicadores em teclados, para este ser, com um pouquinho de solidariedade entre condôminos, o mais belo de todos os mundos. Você, avatar "jovem" de mídia social, marca ambulante com o rótulo de uma esquerda fajuta, saiba de antemão, é quem teria mais a perder com uma mera desestabilização estrutural! A verdade deste mundo - da carnificina - não é me revelada neste seu ambiente plastificado, na normalidade cinzenta de um condomínio fechado ou de um campus universitário, mesmo nos gritos dos "indignados" que querem apenas um emprego e "reinserção econômica", mas nos campos sarauís, ou em Darfur, na Síria, no Iraque e no Afeganistão, na violência indômita de qualquer país da América Central, na derrota dos índios Achè, nos seringueiros friamente assassinados, nos tiros em qualquer periferia. Mas a servidão e a catástrofe não são naturais, precisaríamos da grande revolução, para muito além de todas as até agora conhecidas, e uma resistência integral, para muito além da exigida pelos resistentes anti-franquistas ou a resistência francesa. O inimigo se dispersou como vírus e as barricadas estão aí, no mundo, precisam ser erguidas... Mas os maiores oprimidos ainda querem pagar suas contas no banco, ainda sonham em ter casa, família sorridente e dois carros na garagem. E tudo ainda se resume, afinal de contas, para vocês, a rede social intelectualizada e não pensante, entre usar ou não uma sacola orgânica ou votar para S ou para Z, participar de um coletivo ou apresentar uma comunicação. Ó netos alienados do espetáculo, paridos por dois progenitores satânicos: a resignação e o amor próprio. Por isso minha melancolia, por isso o fim irremediável também da escrita.                    

c. Vocês estão fechados no heideggerianismo de esquerda, estão lendo muito Y... Demonstram um abatimento diante das potencialidades dos movimentos e lutas, das conquistas sociais das últimas décadas.  

b. Sei deste papo... O mundo em ruínas e você falando dos progressos do bolsa família! Não use os fantoches de movimentos e lutas para justificar sua abstinência de pensamento. Rousseau é ainda revolucionário para este seu discurso de merda. Você só me demonstra a agonia de uma certa "esquerda" sorridente. Que hoje só existe neste bairro!

c e coro hipster. Fascistas!

b. Mudemos de boteco.

a. Imediatamente.  


imagem j. 

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