segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Gênero



O poder produz classificando e classifica produzindo; toda taxonomia é cumprida para a acumulação, para a criação de disponibilidades. O gênero não é o sexo; sua preocupação não é anatômica, mas cinética. Sua função epistemológica é a de tornar legível a ligação que há entre as práticas sexuais de cada pessoa, sua autorrepresentação como ser sexuado, e sua existência relacional consequente, sua maneira de conhecer o mundo e de atribuir sentido aos seres, às coisas e às situações.
O gênero não é uma realidade nem algo natural ou dado, mas um instrumento de conhecimento e de desconstrução. Nenhuma identidade pode ser construída partindo daí, nenhum "nacionalismo sexuado" pode nascer dessa aproximação. A finalidade é tornar visíveis as tecnologias políticas de gestão dos desejos, dos corpos e das identidades para modificá-los ou fazê-los explodir.
Isso muda muita coisa no romantismo das velhas feministas: nem as boas mães, nem as más esposas, nem as lésbicas, nem as histéricas, nem as ninfomaníacas são o sujeito revolucionário pré-fabricado a ser levado adiante. Ou melhor, são também elas, mas não enquanto tais. O sujeito das práticas de liberdade está para ser construído nas novas relações, começando por práticas ofensivas.
Se a mediação cultural e política foi colonizada pela ficção do sexo masculino (e da raça branca), é preciso escavar no não-dito e no silêncio e esse será o primeiro ato lúdico contra as tecnologias de gênero. O que tinham em comum o feminismo extático e as lutas do operários era seu silêncio. Os oprimidos não tinham então nada a dizer ao poder. O parentesco entre a prática e a política seria então mais estreita do que aquela entre a política e o discurso. A liberdade não necessita de tagarelice. Ela não tem necessidade de indicar sua finalidade, ela é para si mesma seu meio e seu fim.
Liberados da obrigação de falar, de se explicar, as mulheres e os plebeus talvez jamais tenham passeado nos jardins ordenados e imperfeitos da metafísica ou das ciências "humanas", mas eles praticaram uma política do gesto.
Furtar, bater, trabalhar ou fazer greve são os atos políticos que falam de si mesmos e não têm necessidade de tradução; eles são auto-evidentes, eles veiculam um sentido imediato que condiciona a presença assim como o estado de espírito. Do mesmo modo que cozinhar, criar os filhos, amar ou não seu marido são muitos discursos que o poder faz passar por rumor de fundo.

Tiqqun. Tout a failli, vive le communisme! Paris: La Fabrique, 2009. pp. 160-161 (Tradução: Vinícius Nicastro Honesko)

Imagem: Blu. 2011.

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