domingo, 28 de abril de 2013

Carta à destinatária impossível


Para minha destinatária impossível.
Querida, escrevo para você porque não poderia deixar de fazê-lo. Aliás, querida, já está tudo feito. É como se um motor imóvel estivesse agora tomando meus dedos para deles fazer uma máquina de inventar palavras. Toco a borda de uma folha de papel, como se tocasse a borda da linguagem. Chego a pensar que talvez você tenha me esquecido; chego a pensar que a morte é presença tão surda que jamais tocarei o papel novamente. Não me lembro de ter estado em sua presença, querida. Apenas sei que estamos próximos, como jamais estive de mim mesmo. Solto suspiros tentando imprimi-los neste papel, mas não se escrevem sopros. O sonho da vida começou desde há muito, e nossas hábeis tentativas de evitar o movimento da terra foram vãs. Tudo já estava escrito, querida, tudo: os meus sonhos, os seus sonhos, as suas cartas, as minhas cartas. Sobram as letras, sobram as palavras. Nosso impossível encontro desfaz-se a cada vez que soçobram minhas tentativas de fazer entrar neste papel os meus suspiros. Já não consigo pensar em você. Tento redesenhá-la à força, à força de palavras, mas os traços sempre são diferentes. Você recebe cada carta minha sem jamais por elas esperar. Eu é que permaneço inerte, esperando as frases que poderei armar com as palavras que sobrarem da última carta. Não nos encontramos, mesmo que a terra insista em girar para que isso aconteça. Somos nossos próprios fantasmas, inventados nas nossas ausências. Nenhum sentido há depois disso, nenhum adeus que nos console. O mundo acaba, querida, no nosso despertar, sem sonho e sem palavras para qualquer suspirar. Deixo para você um poema, dos mais lindos que talvez tenha lido hoje. E, agora penso, talvez nosso encontro não passe de um emaranhado de cartas (geográficas ou não) já amareladas no porão de algum navio à deriva.

Do seu remetente impossível.  


La tierra giró para acercarnos,
giró sobre sí misma y en nosotros,
hasta juntarnos por fin en este sueño,
como fue escrito en el Simposio.
Pasaran noches, nieves y solsticios;
pasó el tiempo en minutos y milenios.
Una carreta que iba para Nínive
llegó a Nebraska.
Un gallo cantó lejos del mundo,
en la previda a menos mil de nuestros padres.
La tierra giró musicalmente
llevándonos a bordo;
no cesó de girar un solo instante,
como si tanto amor, tanto milagro
sólo fuera un adagio hace mucho ya escrito
entre las partituras del Simposio.

p.s.: envio também uma foto que tirei numa das tantas vezes em que, navegando, estava à sua procura.

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