quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Pequeno delírio em parágrafo XVI


A la hora de la partida
llevadme fuera,
para que sienta,
las mañanas de seda
y las noches de terciopelo.

Esas mañanas y esas noches
que eran cuando nací,
que seguirán cuando yo muera.
Mario Rivero.

Uma mísera dose de um suposto realismo parece querer fazer as vezes de anfitriã. Mas nada menos palatável do que essa balela do real. Insuportáveis mulheres com seus perfumes sintéticos, seus cheiros de morte, às voltas, sem saber como, com a vida, que dança sob formas opacas e desfiguram qualquer real. Desgastado pelo vazio dos números, sinto, cheio de impropérios, o irreal que se descortina por trás de todo sonho, de toda esperança. Esse vazio atômico de uma explosão que se dera antes que nossa infame espécie, esse milésimo de segundo do mundo mineral, tivesse visto a luz. Que luz? Uma suposta luz real? Sonhamos nosso desterro, imaginamos os muros do paraíso e o sondamos desejosos por derrubá-lo com nossas forças reais. A anfitriã da noite ganha força: como superar a imobilidade? Como saltar para além dos muros desse jardim que ansiamos como um abutre à espera da carniça? Queria poder descansar, como diz o poeta, cada um de meus poros, cada vil milímetro deste corpo que apodrece na boca de Chronos... 

Imagem: Inge Morath e Saul Steinberg. A série das máscaras. 1962. 

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