quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Pequeno parágrafo sobre o êxtase



Sonhávamos com a utopia e nos despertamos gritando.

A eternidade, no despertar, mostra-nos que nem mesmo ela é eterna. Engraçado como esboçamos, diante da vida, medidas infames diante da nossa pequenez: eternidade. Oras, qualquer patife encalacrado diante das circunstâncias em que sua vida parece não mais se dar a nenhum sentido tende a abraçar a eternidade como último sonho. Mas falo aqui dessa eternidade desenhada pelas linhas metafísicas das luzes, do perdurar incalculável que transcende o tempo da vida, seja na forma do perene seja no deleite das formas puras. Suportar a vida, esse pífio sopro que à tola suposição cogitada de um mineral nem seria notada, percebendo que a atravessamos para nada (ainda que não em pura perda), é uma árdua tarefa. Mas que suportar é esse? O que no vão das horas - este redemoinho que nos faz parecer carne crua na boca de Chronos -, nos sonhos com a vida feliz, nos faz calar? Como nos deixar cair silenciosos e ainda dormindo quando o que nos resta é gritar a des-esperança que é a vida? Sem esperas, acordamos gritando: sim, de desespero, mas que reverte a digestão cronológica e nos põe de volta ao relento. Abandono, tal qual o cristo, abandono. E aí está nossa força: aniquilação, negação da grande negação divina. Nenhuma seta em direção ao eterno, apenas kairós, tempo oportuno, tempo do despertar da noite escura do nada.

Imagem: Caravaggio. São Francisco em êxtase. 1595. Wadsworth Atheneum, Hartford.

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