domingo, 5 de janeiro de 2014

Um diálogo com o destrutivo


Há um mundo por ser destruído, há palavras soltas daquilo que já deveria ter sido preso, há um som interminável de uma voz vazia e cheia de angústia que me incita a deixar a destruição de lado. Toda sorte de mácula e dor cobrem a alma perdida em devaneios, e qualquer espaço de vida é tomado pelo peso dessa voz. Um torpor absoluto, um desgosto por não ver caminhos em nenhuma parte. A sordidez de um tempo que diz que a vida vale a pena ser vivida e não sua verdade, isto é, que é o suicídio que não vale a pena. Neste insosso caldo no qual são cozidas vidas espectrais, desconfiar da marcha das coisas e ter consciência de que tudo pode andar mal não são atitudes da confiança em pessoa, mas constatações cínicas de que é possível construir um mundo. É doloroso apagar os vestígios das malfadadas tentativas de destruição: este tempo tudo reconstrói à velocidade daquela voz vazia. Não há refúgios, porém, e estamos expostos a esse palavrório. E quando, como hoje, tudo parece emoldurado num quadro de loucura, talvez só reste, do caráter destrutivo, a incompreensão. O mundo está à prova e o desejo de destrui-lo talvez seja a ira que Aquiles sentia. Nenhuma imagem de Ítaca, de um mundo novo, deve ser idealizada. Não desejo compreensão e, com isso, não idealizo nenhuma imagem. É o que resta do caráter, é o que, talvez, ainda me dê uns últimos suspiros para abrir caminhos pela necessidade de ar fresco e espaço livre, para além do ódio que ronrona miúdo aos meus ouvidos. Implodir o mundo desde esta encruzilhada, sem esperanças e não em puro desespero, sem perspectivas de um lugar próprio, uma tão esperada casa, e não consolado pelo próprio ato destrutivo. Desolado, isto é, isolado de todo contato que salva e que remete ao intratável do mundo como se este fosse sempre possível de ser consolado, o caráter destrutivo só pode emergir como a alegria do improvável, a última e derradeira chance (ou sorte) de atravessar a vida para a nada, entretanto, não em pura perda.

Imagem: Pieter Brueghel (O velho). Provérbios. (detalhe) 1559. Rockox House, Antuérpia.

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